PRONAÇÃO - IMPORTANTE NA CORRIDA?
Você sabia que este é o nosso primeiro amortecedor ao correr?
Normalmente pensa-se que o joelho é o amortecedor na corrida, tanto que esta é a região mais acometida por lesões em corredores (van Gent et al, 2007). “Se lesiona mais, é porque é submetido a maiores sobrecargas”, talvez esse seria o pensamento mais natural a ser feito em um quadro de lesões no joelho.
Entretanto é importante lembrar que o pé é a primeira parte do corpo a interagir com o solo, antes de qualquer atuação do joelho. E dentro de sua estrutura, com 28 ossos e 33 articulações (NIGG, BEHLING, HAMILL, 2019), deveria ser normal também esperar que ele tivesse um grau de resposabilidade na atenuação de impacto. Mas este pensamento não é tão natural assim. Pensa-se nele como um segmento rígido, sem movimento, que ao tocar no solo já transfere o impacto para o joelho, o que não corresponde à realidade.
A maioria dos corredores faz o primeiro contato com o solo com o calcanhar. A partir deste ponto, os músculos e articulações que compõem o pé tem que agir em um momento muito curto de tempo (entre 180 a 500 milissegundos, dependendo da velocidade da corrida) para iniciar as condições de atenuação de impacto e ao mesmo tempo já se transformarem em uma estrutura rígida para assegurar uma boa propulsão. Ou seja, o pé deve ser complacente no início do contato e rígido ao final da propulsão.
Existe um grupo de movimentos no pé que combinados provocam um outro movimento tri dimensional denominado de pronação. Durante muito tempo ele foi demonizado com uma das grande causas de lesões em corredores. Hoje ele é considerado um movimento natural, sendo o nosso primeiro amortecedor após o contato com o solo em corredores de retropé (ver mais em Controle de pronação).
A pronação ocorre na primeira metade do contato do pé com o solo, e como qualquer movimento que ocorre na fase excêntrica (freiando o movimento na direção da força de gravidade) faz com que haja a sinalização para as demais articulações dos membros inferiores. Isso provoca uma reação sinalizada pelo sistema locomotor nos segmentos mais proximais (para cima do pé em direção ao centro do corpo) aumentando a atividade dos músculos envolvidos (NIGG , 2001).
Video 1 - Corredor apresenta a máxima pronação logo no início do contato com a esteira.
A técnica de movimento está atrelada a esta capacidade de adaptar-se a uma via de movimento articular de maior preferência entre todas as articulações envolvidas, neste caso, para a corrida. E obviamente que a melhora desta via é o que se chama de melhora da técnica, tornando-a cada vez mais eficiente, gerando a mesma potência com menor gasto energético (ver mais em Técnica em iniciante e experiente).
Ao perceber uma pouca constância nos movimentos, como destacado no texto anterior (Experiência na corrida), pode-se afirmar que esta via não está otimizada do ponto de vista técnico. É o que acontece com o iniciante !! Como ele não desenvolveu ainda a forma mais eficiente de se locomover, o sistema nervoso está testando possibilidades de combinação de movimentos das diversas articulações para tornar o movimento mais eficiente.
Assim, a pronação, como um dos primeiros movimentos que ocorrem após o contato com o solo, tem vital importância para organizar os movimentos subsequentes que ocorrerão na tíbia, joelho, quadril e coluna, e até mesmo nos membros superiores e cabeça.
Antes utilizava-se calçados na tentativa de controlar a amplitude da pronação, pois acreditava-se que uma pronação excessiva não fosse saudável. Atualmente, entende-se que o controle correto é essencial, especialmente para evitar que a pronação ocorra precocemente ou em alta velocidade, o que depende da força dos músculos intrínsecos e extrínsecos do pé (Mathias et al 2022).
O estudo de Lempke e colaboradores (2024) destacou a forte associação entre a magnitude e velocidade de pronação com lesões no tendão calcâneo e no gastrocnêmio medial, identificadas por ultrassom, entendendo estas variaveis como possíveis preditoras de lesões nestas regiões. Por conta disso, um trabalho de fortalecimento do pé, como o proposto por Taddei e colaboradores (2020), pode provocar adaptações em ganho de força dos músculos intrinsecos e extrinsecos do pé, pois estas estruturas estando fortes, aumenta-se a rigidez do arco longitudinal medial. Esta condição oferece uma melhor dissipação de cargas cumulativas através deste suporte ativo na fase de amortecimento, e de rigidez na fase de propulsão. Isso faz com que não haja a necessidade da utilização de palmilhas (suporte passivo).
Video 2 - Corredora da esquerda apresenta uma pronação sem controle, onde ela fica na máxima pronação em grande parte da fase de apoio. Corredora da direita consegue fazer a pronação como um movimento contínuo, pronando até o momento onde o pé está abaixo do quadril.
Em resumo, compreender e otimizar a função do pé e a dinâmica da pronação não apenas aprimora o desempenho na corrida, mas também reduz o risco de lesões, promovendo uma prática esportiva mais segura e eficiente para todos os envolvidos.
Como saber como está sua pronação? Chame-nos para realizar uma avaliação!!
LEMPKE, Alexandra F. DeJong et al. Association between running biomechanics and lower limb musculotendinous changes over an adolescent marathon training program. Gait & Posture, 2024.
MATIAS, Alessandra B. et al. Effects of foot-core training on foot-ankle kinematics and running kinetics in runners: secondary outcomes from a randomized controlled trial. Frontiers in bioengineering and biotechnology, v. 10, p. 890428, 2022.
NIGG, Benno M. The role of impact forces and foot pronation: a new paradigm. Clinical journal of sport medicine, v. 11, n. 1, p. 2-9, 2001.
NIGG, Benno; BEHLING, Anja-Verena; HAMILL, Joseph. Foot pronation. Footwear Science, v. 11, n. 3, p. 131-134, 2019.
TADDEI, Ulisses T. et al. Foot core training to prevent running-related injuries: a survival analysis of a single-blind, randomized controlled trial. The American journal of sports medicine, v. 48, n. 14, p. 3610-3619, 2020.
VAN GENT, R. N. et al. Incidence and determinants of lower extremity running injuries in long distance runners: a systematic review. British journal of sports medicine, v. 41, n. 8, p. 469-480, 2007.