Lesões por estresse na tíbia são um problema recorrente entre corredores, muitas vezes atribuídas ao acúmulo de microdanos ósseos causados por cargas repetitivas. Embora a carga adequada seja benéfica para a saúde óssea, o excesso pode aumentar o risco de fraturas por estresse. A forma como o pé toca o solo (padrão de pisada) é frequentemente apontada como um fator que pode influenciar essa carga interna na tíbia. No entanto, a magnitude exata dessa influência e as implicações de mudar o padrão de pisada nem sempre são claras. O estudo de Han e sua coalboradores (2025), publicado no Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, buscou quantificar essa carga interna na tíbia ao manipular o ângulo de contato do pé durante a corrida, oferecendo insights valiosos para quem trabalha ou pratica corrida.
Para investigar essa questão, os pesquisadores recrutaram dezenove corredores recreacionais que habitualmente utilizavam a pisada com o retropé (calcanhar). Os participantes foram convidados a correr em três condições diferentes: com seu padrão de pisada habitual de retropé, com uma pisada de retropé "imposta" (instruídos a exagerar o contato com o calcanhar) e com uma pisada de antepé "imposta" (instruídos a tocar o solo com a parte da frente do pé). A ordem das condições impostas foi randomizada para evitar vieses.
Durante as corridas, dados de força e cinemática foram coletados simultaneamente utilizando um sistema de captura de movimento 3D e uma plataforma de força. O ângulo de contato do pé foi identificado a partir dos dados cinemáticos para confirmar o padrão de pisada em cada condição. É interessante notar que, como esperado, a pisada de retropé imposta resultou em um ângulo de contato significativamente maior do que a pisada habitual de retropé, enquanto a pisada de antepé imposta resultou em um ângulo significativamente menor, confirmando que os participantes conseguiram modificar seus padrões conforme instruído.

Para estimar a carga interna na tíbia, considerando os momentos de 11 músculos da perna, os pesquisadores utilizaram uma combinação de modelagem musculoesquelética e o entendimento da tibia como uma viga. A abordagem computacional utilizada permite estimar as forças musculares e as forças de reação articular que contribuem para a carga óssea, superando as limitações de medições invasivas diretas. Além dos picos de momento estressor, eles também calcularam um impulso tibial cumulativo ponderado por quilômetro, uma métrica que considera tanto a magnitude quanto a frequência da carga, ponderando a magnitude de forma não linear, o que é relevante para o risco de lesões por fadiga óssea.
Os resultados principais do estudo foram bastante claros. Houve diferenças significativas nos picos de momento agindo na tíbia entre os padrões de pisada. Correr com a pisada de antepé imposta aumentou o pico de momento estressor tibial em 15,0% em comparação com a pisada habitual de retropé e em 35,7% em comparação com a pisada de retropé imposta. Por outro lado, a pisada de retropé imposta resultou em picos de momento estressor significativamente menores (15,3% a menos) do que a pisada habitual de retropé. A análise do impulso cumulativo ponderado por quilômetro seguiu um padrão semelhante, sendo significativamente maior na pisada de antepé imposta e menor na pisada de retropé imposta.

A discussão dos autores destaca que, consistente com a hipótese, a pisada de antepé imposta resultou em maiores momentos estressores na tíbia do que as pisadas de retropé. Essa maior carga foi observada ao longo da maior parte da fase de apoio. A diferença significativa entre a pisada habitual de retropé e a pisada de retropé imposta, com esta última apresentando menor carga, sugere que até mesmo variações dentro do padrão de retropé podem influenciar a carga tibial. A magnitude dessas diferenças (aumento de 15% com antepé imposto e redução de 15,3% com retropé imposto em relação ao habitual) é considerável e pode ter implicações para o risco de lesões por estresse, onde a magnitude da carga é um fator determinante.

Os pesquisadores atribuem o aumento da carga tibial na pisada de antepé imposta ao aumento das demandas mecânicas sobre os músculos flexores plantares. Esses músculos, como os gastrocnêmios e o sóleo, precisam gerar mais força para controlar o movimento do tornozelo e impulsionar o corpo ao correr com o antepé, e essa força muscular contribui significativamente para o momento estressor na tíbia. Já na pisada de retropé imposta, o aumento da ativação dos músculos flexores dorsais (como o tibial anterior) no início do apoio parece ter influenciado o padrão de carga, resultando em momentos estressores menores em comparação com a pisada habitual.
É fundamental considerar que os participantes do estudo eram corredores habituais de retropé e foram instruídos a adotar padrões de pisada não habituais de forma aguda. O estudo reconhece essa limitação, sugerindo que os resultados podem não refletir o que aconteceria se os corredores estivessem acostumados a esses padrões de pisada. A transição para um novo padrão de pisada envolve adaptações neuromusculares e musculoesqueléticas que levam tempo. Portanto, a maior carga observada na pisada de antepé imposta pode ser, em parte, resultado da falta de adaptação dos tecidos e da coordenação motora a esse novo padrão. Outras limitações incluem o curto percurso de corrida, a análise de apenas uma perna e a dependência de modelagem computacional.
Em conclusão, este estudo sugere que, em corredores habituais de retropé, a adoção aguda de uma pisada de antepé imposta resulta em maior carga interna na tíbia em comparação com as pisadas de retropé (habitual e imposta), principalmente devido ao aumento da atividade dos flexores plantares. Isso implica que uma transição abrupta de retropé para antepé pode não ser benéfica para reduzir a carga tibial e, potencialmente, o risco de lesões por estresse. Para corredores considerando mudar seu padrão de pisada, especialmente de retropé para antepé, uma transição gradual e acompanhada por profissionais é crucial para permitir as adaptações fisiológicas necessárias e minimizar o risco de sobrecarga.
Referência Bibliográfica:
Han, S., Moon, J., Lee, J., Han, S., Sterzing, T., Farris, D., & Rice, H. (2025). Influence of Manipulating Running Foot Strike Angle on Internal Loading of the Tibia. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 35(5), e70066.