OS TÊNIS COM PLACA DE CARBONO PODEM SER CONSIDERADOS UM DOPING TECNOLÓGICO?
Por este motivo vc compraria ou deixaria de comprar um tênis com placa?
Observando as constantes quebras de recordes em provas de corrida nos ultimos anos me veio à cabeça à questão do doping tecnológico já que estes recordes estão sendo quebrados com os tenis com placas de carbono. Fiz uma busca rápida e vi uma matéria da Marina Izidro se posicionando quanto à sua utilização. Gostaria de deixar minha contribuição à respeito!!
Lembrando sobre uma condição recente à respeito do dopping tecnológico, tem-se a quebra de 43 recordes de natação no Campeonato Mundial de 2009 em Roma. Nunca se teve uma quantidade de quebra de recordes em tão pouco tempo. Neste campeonato mundial roupas de corpo inteiro de material específico foram utilizadas por atletas de ambos os sexos. Quando se faz uma comparação entre modalidades de corrida e natação com duração semelhantes (400m rasos no atletismo e 100 metros na natação), os homens correram 2,85% mais rápidos entre 1990 e 2010, enquanto que na natação eles nadaram 5,86% mais rápidos, neste mesmo período. O mesmo aconteceu com as mulheres com velocidade 3,29% maior na corrida e 5,57% maior na natação (O’Connor e Vozenilek, 2011). Desde janeiro de 2010, novas regras da Federação Internacional de Natação regulamentaram o uso destas roupas.
Figura 1 - Gráfico de evolução dos tempos dos 100 livres feminino entre 1990 e 2011 (O’Connor e Vozenilek, 2011)
E os tênis de placa de carbono? Aconteceu a mesma condição de quebra de recordes de forma mais efusiva? Qual o comportamento da World Athletics nesta condição?
Já foi apresentado em post anterior ( Gangorra ou catapulta) a implicação de utilização de uma placa de carbono no calçado na economia de corrida. Entender este mecanismo é importante para compreendermos como isto poderia ser considerado um doping tecnológico.
O estudo de Langley e Langley (2024) demostrou a ocorrência de um efeito ergogênico dos calçados com placa de carbono, denominado de calçados de tecnologia avançada (AFT - Advanced Footwear Technology), em maratonistas da elite mundial. Foi realizado um levantamento retrospectivo da performance de 99 maratonistas da elite mundial, entre 2012 e 2021. Foram levantados as 20 melhores performances de cada ano totalizando o tempo de 988 performances neste periodo. Posteriormente foi feito o levantamento dos calçados utilizados pelos corredores em cada uma de suas performances. Nesta fase, 17 delas foram eliminadas, pois não foi possível identificar os calçados utilizados. A amostra final foi de 971 performances de maratonas entre os anos de 2012 e 2021, sendo 299 delas foram obtidas com AFT e 672 com calçados tradicionais. Para este estudo os autores consideraram AFT como o calçado que contivesse um artefato rígido, total ou parcial na entressola, posicionado entre espuma resiliente. (Neste levantamento foram identificados os modelos Adidas Adizero Adios Pro e Pro 2.0, Asics Meta Speed Sky, Nike Zoom Alphafly Next%, ZoomX Vaporfly Next% e Vaporfly 4%).
Os autores demonstraram que os maratonistas utilizando os AFT foram mais rápidos quando comparados aos corredores com calçados tradicionais, com uma diferença de 0,05 m/s (intervalo de confiança a 95% entre 0,039 a 0,071 m/s). Pode não parecer grande coisa, mas a difereça de velocidade entre os dois tipos de calçados equivale a 79 segundos. Ou seja, na média, os maratonistas com AFT correram quase 1 minuto e 20 segundos mais rápidos que os corredores com calçado tradicional.
Figura 2 - Distribuição da performance dos maratonistas utilizando os AFTs e os calçados tradicionais (Langley e Langley, 2024)
Em janeiro de 2020, a World Athletics (Federação Internacional de Atletismo) refez as regras determinadas em 2019, regulamentando a utilização do uso dos calçados, afirmando que a partir de abril de 2020 qualquer calçado deve estar disponível para compra (loja ou virtual) há 4 meses anteriores a ocorrência da prova a ser utilizada. Protótipos não serão permitidos. Além disso, a espessura da sola não deve ser maior de 40mm, não podendo conter mais de um artefato rígido em todo o comprimento ou comprimento parcial do calçado.
Percebe-se que em ambos os casos, houve a necessidade de intervenção das respectivas federações para que a evolução destes implementos não se sobrepusessem a capacidade humana. Mas de qualquer forma, entendendo que os fabricantes são os patrocinadores, não se baniu a utilização destas evoluções. Fez-se uma regulamentação na tentativa de deixar a competição mais equilibrada.
Mas e para nós, meros mortais, o que fica de informação sobre o uso destes implementos? Seriam eles tão eficientes a ponto de valer à pena o investimento na compra dos mesmos? Será que não há requisistos mais importantes a serem treinados para que haja uma evolução consistente, sem a necessidade de artefatos (bengalas) para que novos RPs aconteçam? Claro que ai depende do quanto cada um está disposto a evoluir por mérito próprio ou pelo uso deste implementos tecnológicos!! Penso que está na cabeça de cada corredor saber se sua performance é decorrente de seu esforço ou de subterfugios como placas de carbono que sabidamente promovem um ganho de performance.
Referencias:
O'CONNOR, Lanty M.; VOZENILEK, John A. Is it the athlete or the equipment? An analysis of the top swim performances from 1990 to 2010. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 25, n. 12, p. 3239-3241, 2011.
LANGLEY, Jamie Oliver; LANGLEY, Ben. The effect of advanced footwear technology on elite male marathon race speed. European Journal of Applied Physiology, v. 124, n. 4, p. 1143-1149, 2024.
WORLD ATHLETICS. C2. 1–Technical Rules. 2019. Disponível em: https://www.worldathletics.org/download/download?filename=1a53ca10-7f30-46e4-83fe-e7ff5fda2c60.pdf&urlslug=C2.1%20-%20Technical%20Rules%20(amended%20on%2031%20January%202020)&_gl=1*1hvchkt*_ga*MjAyMDAxNDI4LjE3MzQ0NDEyODc.*_ga_7FE9YV46NW*MTczNDQ0MTI4Ni4xLjEuMTczNDQ0MTMzNC4wLjAuMA Acessado em 17 dez 2024