FORÇA OU FLEXIBILIDADE NA PREVENÇÃO DE LESÕES?
Qual dessas capacidades físicas você apostaria como preponderante na prevenção de lesões em corredores?
A corrida, especialmente a de longa distância como as maratonas, é uma atividade que atrai milhões, mas, infelizmente, também é notória pela alta incidência de lesões por overuse. Joelhos, canelas, pés e quadris são frequentemente os locais afetados, resultando em pausas no treinamento e frustração. Compreender quais fatores de força e flexibilidade podem proteger os corredores dessas lesões é fundamental para aprimorar os programas de treinamento e prevenção.
Um estudo recente , publicado no Clinical Journal of Sport Medicine em 2025, por Toresdahl e sua equipe, investigou exatamente essa relação em um grupo de corredores que se preparavam para a Maratona de Nova York. Esta pesquisa oferece insights valiosos que podem ajudar todos na comunidade da corrida a otimizar a saúde e a performance.
Para investigar essa complexa relação, os pesquisadores adotaram um desenho de estudo observacional prospectivo. Isso significa que eles acompanharam um grande grupo de corredores ao longo do tempo, observando o desenvolvimento de lesões. Os participantes eram corredores inscritos para a Maratona de Nova York de 2019, o que garantiu uma amostra de indivíduos com um objetivo de treinamento claro e um perfil de corredor de distância. A principal variável do estudo foi uma autoavaliação de força e flexibilidade realizada pelos corredores 16 semanas antes da data da maratona.
Essa autoavaliação incluía diversos testes para medir a força do core, quadril, panturrilha e membros superiores, além da flexibilidade da parte inferior do corpo. Um dos testes chave foi o single-leg glute bridge, que avalia a força e estabilidade do quadril, em uma posição em decubito dorsal (barriga para cima) e com apoio em um unico pé, elevando-se toda a pelve com um pé apoiado ao chão. Após a avaliação inicial, os participantes respondiam o questionário a cada quatro semanas, relatando quaisquer lesões relacionadas à corrida que tivessem ocorrido. Essa metodologia permitiu aos pesquisadores correlacionar as capacidades físicas iniciais dos corredores com a incidência de lesões ao longo do período de treinamento intensivo para a maratona.
Os resultados do estudo são bastante reveladores e trazem uma mensagem clara. Dos 867 corredores que fizeram parte da análise final, 36,1% sofreram uma lesão por overuse durante os 16 semanas de preparação para a maratona. O achado mais significativo foi que, entre todas as medidas de força e flexibilidade avaliadas, apenas a capacidade de manter o single-leg glute bridge no lado mais fraco do corpo mostrou uma associação significativa com a redução do risco de lesão. Corredores que conseguiram manter a posição por 20 a 29 segundos tiveram um risco de lesão 64% menor, enquanto aqueles que mantiveram por 30 segundos ou mais, apresentaram um risco 49% menor, em comparação com os que aguentaram por 0 a 9 segundos. Nenhuma outra medida de força ou flexibilidade (como o alcance dos pés, alongamento de quadríceps, prancha lateral, elevação de calcanhar ou flexões) mostrou ser um preditor significativo de lesões.
A descoberta de que a força do glúteo unilateral é o único fator significativamente associado a um menor risco de lesões reforça a importância da musculatura do quadril e do core na estabilização do movimento durante a corrida. O single-leg glute bridge avalia diretamente a força dos abdutores e dos extensores do quadril que são cruciais para manter a pelve estável e o alinhamento da perna durante cada fase da passada, assim como para a propulsão. A fraqueza nessa região pode levar a compensações biomecânicas, sobrecarregando outras articulações e tecidos, o que pode explicar a maior incidência de lesões por overuse em corredores com menor desempenho nesse teste. Este resultado corrobora achados anteriores que já apontavam a relevância da força do quadril na prevenção de lesões na corrida.
Um ponto igualmente importante é a ausência de uma associação significativa entre as medidas de flexibilidade e o risco de lesões. Este achado se alinha com um corpo crescente de evidências que questiona a crença comum de que o alongamento é uma ferramenta primária para a prevenção de lesões por overuse em corredores. Embora a flexibilidade tenha seu papel na amplitude de movimento, este estudo sugere que, no contexto específico da prevenção de lesões em corredores de distância, a força e a estabilidade, especialmente na região do quadril, podem ser mais determinantes do que a flexibilidade. Isso oferece um direcionamento valioso para profissionais e corredores que buscam otimizar seus programas de condicionamento.
Apesar das importantes contribuições, é fundamental considerar as limitações do estudo. O uso de autoavaliações, embora prático para grandes amostras, pode introduzir um viés, pois a precisão dos testes depende da execução correta pelo próprio participante. Além disso, a homogeneidade da amostra de corredores de maratona e a ausência de dados sobre a lateralidade das lesões ou histórico prévio de lesões podem limitar a generalização dos resultados para outras populações de corredores. No entanto, a robustez do design prospectivo e a grande amostra de corredores fornecem uma base sólida para futuras investigações, como ensaios clínicos randomizados que testem intervenções específicas de fortalecimento do quadril.
Em suma, a pesquisa de Toresdahl e colaboradores destaca o fortalecimento da musculatura do quadril, avaliado por meio do teste de single-leg glute bridge, como um fator-chave na prevenção de lesões por overuse em corredores de distância. Para corredores, técnicos, fisioterapeutas e médicos do esporte, a mensagem é clara: incluir e priorizar exercícios que visem a força e estabilidade do quadril e do core nos programas de treinamento pode ser um passo fundamental para reduzir o risco de lesões e garantir uma prática mais consistente e prazerosa da corrida. É sempre recomendado buscar a orientação de um profissional para um programa de treinamento e prevenção de lesões individualizado.
Referência Bibliográfica:
Toresdahl, B. G., De Mille, P., Egbert, J., Geisel, P., Metzl, J. D., & Fontana, M. A. (2025). Strength and Flexibility Self-Assessment and Subsequent Training Injuries Among Runners of the New York City Marathon. Clinical Journal of Sport Medicine, 35(4), 471–477.
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