COMO CORREDORES TREINAM PARA PARTICIPAR DE UMA MARATONA??
Maratonistas mais rápidos treinam predominantemente com intensidades relativas mais elevadas?
Quando se vê um(a) maratonista fechando uma prova de 42,195 metros em pouco mais de duas horas, e ao fazer os cálculos, percebe-se que o recorde atual da maratona de 2h 00min e 35 seg equivale a correr esta distância a uma média de 21km/h no masculino, parece fazer sentido que boa parte do treino destes atletas seja em alta velocidade. Mas será que é isso mesmo que acontece?
Muniz-Pumares e colaboradores (2024) fizeram este levantamento com 119.452 maratonistas que completaram 151.813 maratonas entre 2014 e 2017, e analizaram as 16 semanas anteriores às maratonas, identificando a intensidade de treino em cada sessão, classificando-as em três zonas de treinamento z1, z2 e z3 (moderado, pesado e severo, respectivamente). Estas informações foram obtidas através de dados de corredores que completaram as Majors marathons em seus perfis no Strava. Estes completaram, em média, 56 sessões de treinamento antes das provas, acumulando uma média de 45 km/sem e o tempo médio de término da prova de todos estes corredores foi de 3h e 50 min.
O primeiro ponto a ser entendido é: quanto se precisa treinar para correr uma maratona? Qual o volume semanal para terminar uma maratona? Essa resposta tem que ser muito discutida porque uma maratona não é para qualquer pessoa. Correr para ter saúde não inclui correr uma maratona. Sendo assim, iniciantes precisam saber disso desde o começo, pois talvez tenha-se banalizado esta distância com os discursos de coach que incentivam seus seguidores a fazer uma prova deste monte, para mostrar que eles podem ampliar seus limites.
Vejam um exemplo de banalização com o incentivo à correr uma maratona, realizado por jornal de grande circulação do sul do pais, veiculado três dias antes desta postagem: “ Quem nunca correu, mas tem o sonho de participar de uma maratona, ainda pode tentar a sorte na New Balance 42k 2025, que será realizada em abril deste ano em Porto Alegre. Especialistas garantem que é possivel, e alertam que pessoas que estão acostumadas com a prática de exercícios físicos têm vantagem.”
Voltando ao artigo citado, o gráfico 1 demonstra o volume semanal dos homens que fecham a maratona entre 2h e 2h e 30min estando, entre 100 e 120km dependendo da fase do treinamento. Para tempos finais entre 2h30 e 3h esse volume semanal cai para 60 a 80 km percorridos por semana. E a partir das 3h até às 6h para término da prova o volume varia muito pouco, entre estes grupos, ficando entre 35 e 70 km semanais. O mesmo comportamento ocorre nas mulheres (Gráfico 2). E isto também acontece para os corredores com menos de 40 anos e com mais de 40 anos com volumes levemente menores (gráficos no artigo).
Ao comparar os grupos, os autores destacam que os corredores mais rápidos cumpriram um volume 3 vezes maior que os corredores mais lentos. Além disso, apresentaram uma relação forte entre o seu resultado e marcadores de volume do treinamento como uma maior distância total, um maior tempo de treinamento e mais dias ativos. Ou seja, para correr uma maratona com performance tem que ter volume de treinamento (Friso bem!! Não é para qualquer pessoa!!)
E quanto à forma como se treina, quanto de cada intensidade estes corredores utilizam em seus treinamentos?

O gráfico 3 demonstra que maratonistas mais rápidos tendem a apresentar maiores percentuais do tempo/volume dedicado ao treinamento na Z1, variando entre 55 a 75% e na Z3 variando entre 5 a 15% de todo o treinamento. Dentre os corredores mais lentos esta diferença na distribuição das intensidades tende a ser bem diferente estando entre 45 a 55% em Z1 e em 15 a 25% em Z3. O mesmo acontece com as mulhres, mas com menores variações percentuais entre cada periodo de treinamento, entre as semanas prévias à maratona (gráfico 4). E isto também acontece para os corredores com menos de 40 anos e com mais de 40 anos com volumes levemente menores (gráficos no artigo).

Os autores destacam que, pela caracteristica da corrida com sua carga mecânica ao qual o corpo é submetido; pelo aumento do consumo de oxigênio diretamente relacionado com a taxa de crescimento da carga vertical; pelo maior desgaste metabólico e maior resposta ao stress sistêmico, treinamentos em alta intensidade demandam uma tempo maior de recuperação. Sendo assim, mais treinos em Z1 auxiliariam nesta condição. Outro fator importante é o de que treinos em Z1 promovem maior eficiência metabólica pelo aumento da densidade mitocondrial e da angiogênese (formação de mais vasos sanguineos para distribuir sangue, oxigenado melhor os músculos).
E veja que interessante esta relação: os autores ainda destacam que para cada 1% a mais de treinamento em Z1, melhora-se o tempo final da maratona em 18 segundos, enquanto que cada 1% de aumento em treinos na Z2 e Z3 aumentam os tempos de maratona em 19 e 45 segundos, respectivamente.
Com todos estes dados percebe-se que o treino para uma maratona é uma tarefa que requer constância e controle do que se está fazendo. Pequenos e mínimos problemas, pela repetitividade do treinamento necessário para evoluir, pode ocasionar situações de stress elevado, facilitando o surgimento de lesões e condições de impossibilidade de realização da prova. Por estas e outras razões envolvendo a segurança e a saúde, até mesmo psíquica, oriento a se pensar muito sobre a possibilidade de correr uma maratona. Converse com um profissional que tenha como filosofia de trabalho: “Correr sempre”, pois isso fará total diferença na qualidade e manutenção do correr em sua vida. Não entre na conversa de coach que tem em seu repertório motivacional frases como estas:
“O orgulho de terminar uma maratona é muito maior do que toda a dor sofrida durante a maratona " ou “Aprenda a correr quando sentir dor e depois insista com mais força”. Mas tenha nesta frase uma inspiração: “Corra frequentemente. Corra longamente. Mas nunca ultrapasse sua alegria de correr.”
Referência Bibliográfica:
MUNIZ-PUMARES, Daniel et al. The training intensity distribution of marathon runners across performance levels. Sports Medicine, p. 1-13, 2024.