APROFUNDANDO O CONHECIMENTO SOBRE A CONSTRUÇÃO E FUNÇÃO DOS TÊNIS DE CORRIDA
Entendendo paradigmas sobre a ocorrência de lesões relacionadas à corrida e sua influência no design de calçados
A busca por um calçado de corrida que minimize o risco de lesões tem sido uma constante na indústria esportiva e entre os corredores. No entanto, a relação entre o design do calçado e a prevenção de lesões é um tema complexo e multifacetado, com diferentes paradigmas competindo para explicar essa interação. Um estudo analisou criticamente esses paradigmas, buscando entender como eles influenciam a construção e a recomendação de calçados para corredores.
Agresta de colaboradores (2022) destacam que a compreensão das causas das lesões relacionadas à corrida evoluiu ao longo do tempo, levando ao surgimento de diferentes modelos explicativos. Através de um pensamento mecanicista, durante muito tempo, considerou-se fatores únicos como predominantes na ocorrência de lesões. E para uma análise mais aprofundada os autores citados optaram em fazer uma análise crítica de alguns paradigmas existentes dentro da corrida e a ocorrência de lesões.
1- Controle do Movimento
Foi um dos primeiros paradigmas a ganhar destaque e se baseava na ideia de que a pronação excessiva do pé era um fator de risco para lesões. Esse modelo influenciou o design de calçados com recursos de suporte e estabilidade, com o objetivo de controlar o movimento do pé e reduzir a pronação. No entanto, pesquisas posteriores questionaram a validade desse modelo, demonstrando que a pronação é um movimento natural e necessário para a absorção de impacto durante a corrida. Além disso, ainda existe uma contraposição de ideias sobre a evidência de que calçados com controle de movimento possam ser eficazes na prevenção de lesões em corredores pronadores.
2 - Liberdade de Movimento
Posteriormente, surgiu um novo paradigma que enfatiza a importância da "liberdade de movimento" e da conexão do corredor com o solo. Esse paradigma influenciou o design de calçados minimalistas, com solados finos e flexíveis, que permitem uma maior amplitude de movimento do pé e uma maior percepção do terreno. Os defensores dos calçados minimalistas argumentam que eles fortalecem os músculos dos pés e melhoram a técnica de corrida, o que poderia reduzir o risco de lesões. No entanto, assim como nos casos anteriores, as evidências científicas sobre a eficácia dos calçados minimalistas na prevenção de lesões são limitadas e controversas. Além disso, a transição para calçados minimalistas deve ser feita de forma gradual e cuidadosa, para evitar lesões por sobrecarga.
3- Amortecimento
Mais recentemente, outro paradigma que ganhou popularidade foi o modelo do "amortecimento", que se baseava na crença de que um calçado com bom amortecimento poderia reduzir o impacto sobre as articulações e, consequentemente, diminuir o risco de lesões. Esse modelo influenciou o design de calçados com solados mais espessos (maximalistas) e materiais de amortecimento mais avançados. No entanto, assim como no caso do controle do movimento, as evidências científicas sobre a eficácia do amortecimento na prevenção de lesões são inconsistentes. Alguns estudos mostrados pelos autores mostram que o amortecimento pode reduzir as forças de impacto, enquanto outros não encontram essa relação. Além disso, há evidências de que o uso excessivo de amortecimento pode levar a uma diminuição da propriocepção e a uma maior dependência do calçado, o que poderia aumentar o risco de lesões.
A discussão sobre a influência do calçado nas lesões relacionadas à corrida ganha contornos ainda mais complexos ao considerar-se paradigmas adicionais que buscam explicar essa intrincada relação, onde cada um oferece uma perspectiva única sobre como o calçado interage com a biomecânica do corredor e, consequentemente, com o risco de lesões.
4- Movimento articular habitual
Este sugere que o corpo humano desenvolve padrões de movimento preferenciais ao longo do tempo, e que a tentativa de alterar esses padrões com o uso de calçados específicos pode ser prejudicial. Segundo esse modelo, cada indivíduo possui um "caminho" de movimento articular que é otimizado para sua estrutura corporal e seu histórico de atividades. A imposição de um calçado que force o corpo a se mover de forma diferente desse caminho habitual pode gerar estresse excessivo em determinadas articulações e músculos, aumentando o risco de lesões.
Esse paradigma enfatiza a importância de permitir que o corpo se mova de forma natural e eficiente, sem interferências externas. Calçados que restringem o movimento ou que alteram a propriocepção podem perturbar o caminho habitual de movimento articular, levando a compensações biomecânicas que aumentam o risco de lesões. A escolha do calçado, portanto, deve levar em consideração a biomecânica individual do corredor e buscar um modelo que se adapte ao seu padrão de movimento natural. Por este motivo, temos preferência por uma ou outra marca/modelo.

5- Filtro do Conforto
E por fim, o paradigma do Filtro do Conforto propõe que o conforto é o principal fator a ser considerado na escolha de um calçado de corrida. Segundo esse modelo, o corpo humano é capaz de detectar pequenas diferenças de conforto entre diferentes calçados e, instintivamente, escolher aquele que oferece a melhor sensação. Acredita-se que o conforto seja um indicador de que o calçado se adapta bem ao pé do corredor e permite uma movimentação natural e eficiente. Este paradigma sugere que o corpo é capaz de "filtrar" as informações sensoriais provenientes dos pés e escolher o calçado que minimiza o estresse e o desconforto. Calçados desconfortáveis podem levar a alterações na biomecânica da corrida, como o aumento da tensão muscular e a diminuição da amplitude de movimento, o que poderia aumentar o risco de lesões. A escolha do calçado, portanto, deve se basear na sensação de conforto e bem-estar proporcionada pelo tênis.
É importante ressaltar que esses paradigmas não são mutuamente exclusivos e podem, inclusive, se complementar. O paradigma do Movimento Articular Habitual enfatiza a importância de respeitar a biomecânica individual do corredor, enquanto o paradigma do Filtro de Conforto sugere que o conforto é um indicador de que o calçado se adapta bem a essa biomecânica. A combinação desses dois modelos pode levar a uma abordagem mais individualizada e eficaz na escolha do calçado de corrida. Por este motivo, escolher um tênis por indicação de outras pessoas pode ser um graden erro.
Em vez de buscar um calçado que "corrija" a pisada ou que siga as últimas tendências tecnológicas, os corredores devem priorizar o conforto e a sensação de conexão com o solo, buscando um modelo que se adapte ao seu padrão de movimento natural. A conscientização sobre os próprios limites, a escuta do corpo e a busca por orientação profissional são elementos cruciais para uma prática da corrida segura e prazerosa. A escolha do calçado, nesse contexto, torna-se uma ferramenta para potencializar o conforto e a eficiência, em vez de uma busca obsessiva por uma solução mágica para prevenir lesões.
Os autores do estudo argumentam que nenhum desses cinco paradigmas isoladamente é capaz de explicar completamente a complexa relação entre calçado e lesões na corrida. Eles defendem uma abordagem mais integrada e individualizada, que leve em consideração as características biomecânicas, as preferências e o histórico de lesões de cada corredor.
Além disso, os autores enfatizam a importância de outros fatores na prevenção de lesões, como o fortalecimento muscular, a técnica de corrida adequada, o aumento gradual da carga de treinamento e o descanso adequado. A combinação desses elementos, juntamente com a escolha de um calçado confortável, cria um ambiente mais propício para a prática da corrida sem lesões.
Em conclusão, o estudo destaca a complexidade da relação entre calçado e lesões na corrida, questionando a validade dos paradigmas tradicionais e defendendo uma abordagem mais individualizada. A mensagem principal é que não existe uma fórmula mágica para escolher o calçado perfeito, e que a prevenção de lesões na corrida requer um conjunto de estratégias que vão além do simples ato de comprar um tênis novo. A conscientização sobre os próprios limites, a escuta do corpo e a busca por orientação profissional são elementos cruciais para uma prática da corrida segura e prazerosa.
Referências Bibliográfica:
Agresta, C., Giacomazzi, C., Harrast, M., & Zendler, J. (2022). Running injury paradigms and their influence on footwear design features and runner assessment methods: A focused review to advance evidence-based practice for running medicine clinicians. Frontiers in sports and active living, 4, 815675.
Werkhausen, A., Lund-Hansen, M., Wiedenbruch, L. et al. (2024). Technologically advanced running shoes reduce oxygen cost and cumulative tibial loading per kilometer in recreational female and male runners. Sci Rep 14, 11903 . https://doi.org/10.1038/s41598-024-62263-0