ADAPTAÇÕES E RISCOS AO CORRER MARATONAS - Parte 1
Quanto maior a distância percorrida maior a saúde acumulada? Existe essa relação direta entre quilômetros percorridos e saúde?
Como dito no texto anterior (Como corredores treinam para a maratona) friso aqui: A MARATONA NÃO É PARA QUALQUER PESSOA!! A distância percorrida em uma maratona gera um stress excessivo ao organismo, onde, para suportá-lo, deve-se desenvolver um grande repertório fisiológico durante um tempo considerável. Paciência deve ser a mola mestre para se chegar a esta e maiores distâncias.
Para mostrar os efeitos de uma maratona no organismo trago a vocês informações de um artigo muito interessante que analisa os benefícios e as desvantagens de uma atividade de longa duração como a maratona. Braschler e colaboradores (2025) escreveram uma revisão de literatura com quase 400 artigos consultados descrevendo a fisiologia e a fisiopatologia da maratona, ou seja, mostrando os efeitos positivos e negativos de quem já fez uma prova como esta. É um artigo científico muito extenso e por este motivo, nestes mês de fevereiro dedicarei os textos aqui produzidos para destrinchá-lo.
O inicio desta série será, com talvez, um dos sistemas corporais mais afetados pelo exercício, o sistema cardiovascular. Atividades de longa duração são conhecidas for desenvolver muito efeitos benéficos para a saúde cardiovascular como diminuição da pressão arterial em repouso, melhora da aptidão vascular e maior tolerância a uma isquemia do miocardio (músculo cardíaco).
Os autores descrevem que, pelos estudos consultados, atletas de endurance tem menor risco de desenvolver doenças coronarianas comparado a indivíduos sedentários. Corredores de maratona apresentam LDL (colesterol de baixa densidade) e triglicerídeos mais baixos, e HDL (colesterol de alta densidade - protetor) mais elevados comparados a indivíduos da mesma idade. Alterações na pressão arterial e frequência cardíaca, também diminuindo ambas, comparando com a população de não atletas. Especificamente para o coração, estes atletas apresentam um débito cardíaco aumentado originado por adaptações estruturais caracterizando este órgão como “coração de atleta” em indivíduos que treinam. A principal adaptação morfológica é a espessura do músculo cardíaco, principalmente no lado esquerdo do coração, parte que é responsável pelo bombeamento do sangue para todo o corpo após ser oxigenado.
Alterações na parte da interação do sistema nervoso com o coração também ocorrem com o treinamento de endurance, vendo-se isto principalmente na frequência cardíaca de repouso diminuída nestes atletas. Ao analisar o sinal elétrico do coração, uma parte deste sinal (intervalo QT) geralmente apresenta menor variabilidade entre corredores comparados a indivíduos inativos de mesma idade. O aumento da variabilidade deste trecho do sinal cardíaco está associado ao surgimento de doenças coronárias.
Mas ao mesmo tempo, os autores descrevem um outro estudo mais recente, demonstrando que o treinamento excessivo e correr maratonas podem diminuir os benefícios obtidos até então, podendo desencadear quadros de aterosclerose e doenças cardiovasculares.
Após a participação em provas/treinos de longa duração, alguns biomarcadores quando coletados sinalizam possíveis danos cardíacos com o aumento de suas concentrações no sangue. Marcadores de necrose dos miócitos e de congestão cardíaca foram encontrados de forma mais elevada em ultramaratonistas comparado a maratonistas. Estes biomarcadores tem comportamento diferenciado de acordo com a quilometragem semanal, onde atletas com menos de 56 km / semana antes de uma maratona, apresentam maiores concentrações de determinados marcadores. Ainda neste estudo apresentado pelos autores, demonstrou-se que a presença de alguns biomarcadores estavam associados a uma disfunção diastólica pós corrida. Além disso, muito dos marcadores medidos apresentam seus picos após a prova, seguindo elevados por até 72 horas.
Outros pontos de destaque na saúde cardíaca pós maratona são algumas condições que podem se desenvolver como por exempolo a fibrilação atrial. Neste caso, maratonistas do sexo masculino apresentam 8,8 vezes mais risco de desenvolver esta anomalia comparado a indivíduos sedentários. Além disso, o tempo de treinamento para uma maratona pode desenvolver um alargamento do átrio esquerdo, onde aqui também os homens estão mais sujeitos a esta condição. Atletas com grandes volumes de treino e com histórico de participação em muitas provas de ultra endurance apresentaram áreas fibróticas no coração, mas com característica não isquêmicas, esta condição pode gerar um quadro de arritmia ventricular.
Um dos estudos citados pelos autores demonstrou uma prevalência de calcificação nas artérias coronárias entre homens com mais de 50 anos com mais de 5 maratonas completadas nos últimos 3 anos.
Outro fator importante é a ocorrência de mortes súbitas sendo reportada, no artigo, de 2,33 para cada 100 mil atletas, sendo os homens mais acometidos, e normalmente estas mortes acontecem nos primeiros 1,6 km, menos de 5% de toda a maratona.
Como vimos até o momento tem-se vantagens e desvantagens para o sistema cardiovascular ao se propor a correr uma maratona. Tem-se grandes evidências de que o exercício físico regular tem um efeito benéfico no sistema cardiovascular em vários domínios, incluindo a melhora dos fatores de risco cardiovascular, como melhora do perfil lipídico, menor pressão arterial em repouso, melhora da função endotelial e diminuição da variabilidade do intervalo QT. No entanto, correr maratonas também está associada a estresse maciço no sistema cardiovascular, com elevações de biomarcadores cardíacos, aumento da incidência de fibrilação atrial, remodelamento estrutural do ventrículo direito e eventos cardíacos maiores.
Portanto, ao colocar na balança de ônus e bônus de se correr uma maratona deve-se estar muito consciente deste feito. Certamente, efeitos colaterais podem aparecer, e isso deve ser considerado por corredores e treinadores, e principalmente pelo corredor sem assistência de um profissional que possa controlar as variáveis de treinamento para que estes efeitos tenham menor ocorrência.
Referência Bibliográfica:
Braschler, L., Nikolaidis, P.T., Thuany, M. et al. Physiology and Pathophysiology of Marathon Running: A narrative Review. Sports Med - Open 11, 10 (2025). https://doi.org/10.1186/s40798-025-00810-3