ADAPTAÇÕES E RISCOS AO CORRER MARATONAS - Parte 4
Nesta quarta e ultima parte de análise do artigo de Braschler e colaboradores (2025) destacamos os prós e contras da participação na maratona com vistas no sistema imunológico.
O sistema imunológico é uma das primeiras linhas de defesa do corpo humano contra patógenos externos e desempenha um papel crucial na restauração das funções após estressores físicos intensos, como a corrida de maratona. Nos últimos anos, pesquisadores têm se dedicado a entender como a prática desse esporte de endurance afeta o sistema imunológico de forma tanto benéfica quanto prejudicial. O exame profundo destas interações revela um panorama complexo e fascinante das respostas fisiológicas do corpo humano durante e após o exercício extenuante.
Uma das áreas mais estudadas é como as maratonas impactam os biomarcadores inflamatórios. Dados mostram que a intensidade e a duração do exercício influenciam diretamente os níveis de inflamação observados no corpo. Imediatamente após a corrida, há uma elevação significativa nos níveis de leucócitos e uma queda nos linfócitos. Esse desequilíbrio é acompanhado por aumentos em proteínas de fase aguda como a Proteína C Reativa (CRP) e sua versão de alta sensibilidade (hs-CRP), bem como em citocinas inflamatórias como o TNFα, IL-2 e IL-6. Essa resposta inflamatória aguda sugere que o corpo está reagindo ao estresse físico imposto por tal atividade vigorosa.
Curiosamente, o corpo humano parece responder rapidamente aos desafios inflamatórios através da secreção de citocinas anti-inflamatórias logo após a corrida. Citocinas como IL-1RA e IL-10 seguem um curso similar ao das citocinas inflamatórias, retornando aos níveis normais dentro de quatro dias, o que destaca a capacidade do corpo em regular e conter a inflamação eficazmente após um esforço físico extremo.
Outro conceito chave na relação entre maratonas e a função imunológica é a "janela aberta", um período identificado de 3 a 72 horas após a corrida durante o qual o sistema imunológico está temporariamente suprimido, aumentando a susceptibilidade a infecções, especialmente do trato respiratório superior (URTIs). Estudos demonstram que corredores de maratona enfrentam um risco significativamente maior de desenvolver URTIs nas semanas que seguem uma corrida.
Esse fenômeno pode ser retratado através da curva em "J", que representa a relação entre a intensidade do exercício e o risco de URTIs. Enquanto exercícios moderados parecem fortalecer a função imunológica e reduzir o risco de infecções, à medida que a duração e a intensidade do exercício aumentam, o risco concomitantemente se eleva. Isso é respaldado por dados epidemiológicos que apontam para uma maior incidência de URTIs em atletas que participam de volume de treinos semanais altos ou corridas mais longas como ultramaratonas.
A explicação para o aumento da susceptibilidade a infecções pode residir em várias alterações no funcionamento das células imunológicas. Corridas de alta intensidade, como as maratonas, são associadas a uma diminuição na função de células imunes vitais, como neutrófilos, linfócitos T e células NK. As T linfócitos, por exemplo, desempenham um papel crucial no reconhecimento e controle de infecções virais como URTIs. A queda acentuada dessas células após a corrida pode assim promover infecções.
Estudos recentes também destacaram alterações induzidas pela maratona na interação entre leucócitos e células endoteliais, sugerindo que uma adesão celular comprometida possa contribuir para uma função imune ineficiente, aumentando a susceptibilidade a infecções.
O aumento dos níveis de cortisol e catecolaminas após a corrida de maratona revela outro fator de influência significativo sobre o sistema imunológico. O cortisol, conhecido por seus efeitos imunossupressores, desempenha um papel em suprimir a resposta Th1 enquanto promove a Th2, aumentando assim a susceptibilidade a infecções. Evidências sugerem que catecolaminas igualmente interferem na imunidade mucosal, diminuindo a defesa nas barreiras primárias do corpo, como as secreções nasais e salivares.
Para mitigar os impactos imunológicos adversos das maratonas, diversas estratégias nutricionais têm sido propostas. Suplementos como glutamina, antioxidantes e probióticos têm sido investigados por seu potencial em sustentar a função imunológica durante e após os eventos de resistência. A ingestão de carboidratos durante a corrida demonstrou, em alguns estudos, ajudar a atenuar a supressão imunológica induzida por exercício ao contrabalançar o impacto dos hormônios do estresse. Entretanto, a eficácia de tais intervenções ainda requer mais investigação para ser totalmente compreendida e otimizada.
Apesar dos riscos associados ao exercício de alta intensidade, a prática regular de exercícios de resistência em intensidade moderada está associada a vários efeitos benéficos sobre o sistema imunológico. Essa prática pode reduzir os níveis basais de CRP, indicando um potencial efeito anti-inflamatório protetor. Além disso, o aumento na atividade citotóxica das células NK fortalece as primeiras linhas de defesa do corpo contra patógenos, demonstrando um efeito imunológico positivo geral de exercícios regulares e moderados.
A relação entre exercícios de resistência, como as maratonas, e a função imunológica é complexa, envolvendo uma interação balanceada entre respostas inflamatórias e anti-inflamatórias à medida que o corpo se ajusta ao estresse físico. Embora ainda existam lacunas na compreensão de todos os mecanismos envolvidos, é claro que tanto os benefícios quanto os riscos associados precisam ser considerados ao se participar em tais atividades. Para maximizar os benefícios e minimizar os riscos, os corredores devem ser encorajados a seguir uma abordagem equilibrada em relação ao treinamento e à recuperação, possivelmente apoiada por intervenções nutricionais e suplementares adequadas. O avanço contínuo na pesquisa deste campo promete oferecer melhores estratégias para otimizar a saúde imune dos atletas, promovendo tanto o desempenho atlético quanto a longevidade da saúde imunológica.
Referência Bibliográfica:
Braschler, L., Nikolaidis, P.T., Thuany, M. et al. Physiology and Pathophysiology of Marathon Running: A narrative Review. Sports Med - Open 11, 10 (2025). https://doi.org/10.1186/s40798-025-00810-3