A PREVENÇÃO DE LESÕES É UMA CONDIÇÃO INDIVIDUAL E MULTIDIMENSIONAL
Destaque para as práticas evidenciadas pela ciência como confiáveis para a prevenção de lesões!
A corrida, paixão de milhões, traz consigo um desafio persistente: a alta incidência de lesões relacionadas à corrida (RRI). Apesar dos avanços na ciência do esporte, corredores ainda não se beneficiaram da mesma redução nas taxas de lesão observada em outras modalidades esportivas. Por que isso acontece? E o que realmente funciona para manter os corredores saudáveis e na pista?
Um estudo de revisão liderado por Linton e sua equipe e publicado em 2025 no Translational Sports Medicine, mergulhou profundamente na literatura científica para mapear as práticas de redução de risco de lesões, os métodos de entrega dessas práticas e as perspectivas de especialistas e dos próprios corredores. É uma leitura essencial para quem busca otimizar a saúde e o desempenho na corrida.
Para fornecer uma visão tão completa, Linton e seus colegas empregaram uma metodologia denominada de revisão de escopo, seguindo as diretrizes do PRISMA-ScR e do Joanna Briggs Institute. Isso permitiu que a pesquisa fosse ampla e profunda, cobrindo não apenas estudos de intervenção controlados, mas também a vasta gama de opiniões de especialistas e as experiências reais dos corredores. A equipe realizou buscas sistemáticas em grandes bancos de dados como MEDLINE, CINAHL e SPORTDiscus, abrangendo estudos publicados desde 2000 até abril de 2024, para garantir que as informações fossem as mais atuais possíveis.
O processo de seleção foi rigoroso, incluindo qualquer tipo de estudo que abordasse estratégias de prevenção de RRI em corredores de todas as idades, com foco nas intervenções, nos métodos de entrega e na visão dos envolvidos – desde corredores amadores e de elite até treinadores e profissionais de saúde. Foram excluídos estudos com populações não-corredoras ou focados apenas em fatores de risco sem intervenção, para manter o foco em práticas proativas. Toda a informação foi cuidadosamente extraída e categorizada em três grandes grupos: ensaios clínicos randomizados (RCTs) sobre intervenções, opiniões de especialistas e revisões, e estudos sobre o comportamento e as crenças dos corredores.
Ao final desse processo a equipe levantou 106 estudos que atenderam aos critérios de inclusão. Os resultados revelaram as principais estratégias investigadas em estudos de intervenção (RCTs) como fortalecimento, reeducação da técnica da corrida, uso de wearables, programas de corrida supervisionados, calçados, recuperação e aconselhamento educacional. No entanto, um achado crucial foi que a supervisão e o suporte apareceram como elementos críticos para um efeito mais positivo. Especialistas, por sua vez, recomendaram uma abordagem multifatorial, adaptada ao perfil de risco individual de cada corredor. Curiosamente, o estudo também evidenciou uma disparidade notável entre o que os especialistas aconselham e o que os corredores realmente fazem para reduzir o risco de lesões.

A análise dos autores ressalta que a eficácia das intervenções de prevenção de lesões na corrida está intrinsecamente ligada ao método de entrega. Por exemplo, o fortalecimento muscular, uma estratégia amplamente reconhecida como eficaz, só se mostrou consistentemente benéfico quando os programas eram supervisionados. Da mesma forma, conselhos educacionais online, por mais bem-intencionados que fossem, exigiam suporte adicional e modificação de comportamento para serem verdadeiramente efetivos. Isso sugere que oferecer informações ou programas “faça você mesmo” sem um acompanhamento ou um sistema de apoio pode ter um impacto limitado na prevenção de lesões entre corredores, que muitas vezes buscam a conveniência.
Um aspecto particularmente promissor e frequentemente destacado na revisão como um importante programa de prevenção é o retreinamento da corrida. Este tipo de intervenção, que busca modificar padrões de pisada e mecânica de corrida para reduzir o impacto e o estresse sobre o corpo, emergiu como um tópico chave na prevenção de lesões, sendo defendido por muitos especialistas na área. Embora o estudo de Linton e colaboradores tenha encontrado apenas dois ensaios clínicos randomizados (RCTs) sobre sua eficácia na redução de lesões, a pesquisa sugere que o retreinamento, especialmente quando facilitado por feedback em tempo real (seja por supervisão direta ou através de tecnologias vestíveis), pode ser uma estratégia promissora. Além disso, a revisão revelou que os próprios corredores demonstram um grande interesse em incorporar o retreinamento de corrida em suas práticas de prevenção, indicando um alto potencial de engajamento, especialmente se as estratégias forem de fácil aplicação e minimizarem o impacto na rotina de treino.
Outro aspecto que emerge é a necessidade de programas de prevenção mais específicos e personalizados. O estudo aponta para uma carência de pesquisas sobre programas adaptados a perfis de risco específicos, como corredores jovens (que necessitam de atenção especial para a saúde óssea e o envolvimento em esportes multidirecionais) ou corredores com histórico de lesões. A forma como os corredores definem e reagem à dor também é crucial: muitos só se consideram "lesionados" quando a dor os impede de correr ou os força a buscar ajuda profissional, perdendo a oportunidade de intervenção precoce. Portanto, a educação sobre sinais de alerta e o desenvolvimento de estratégias de monitoramento da dor são essenciais para promover uma intervenção mais rápida e eficaz.
A lacuna entre o conhecimento dos especialistas e o comportamento dos corredores é um ponto de atenção. Muitos corredores tendem a adotar estratégias mais passivas ou familiares, como a escolha de calçados ou alongamentos (apesar da pouca evidência de sua eficácia na prevenção de lesões), enquanto ignoram ações complementares cruciais. Os especialistas, por outro lado, defendem fervorosamente uma abordagem multifatorial e individualizada, que considera o perfil de risco único de cada atleta. Isso significa que não existe uma solução única para todos; o que funciona para um corredor pode não ser ideal para outro. Compreender as crenças e a autoeficácia dos corredores é vital para influenciar suas escolhas e promover a adesão a práticas mais eficazes, e a educação, quando bem direcionada e suportada, pode mudar percepções, como visto no contexto da escolha de calçados.
Em suma, essa revisão de escopo de Linton e colaboradores reforça que a prevenção de lesões relacionadas à corrida vai muito além de uma única intervenção. Ela exige uma abordagem multifatorial, individualizada e, acima de tudo, apoiada. A pesquisa sugere que a eficácia reside não apenas na estratégia em si, mas na forma como ela é comunicada e implementada, com supervisão e suporte contínuos. Para o futuro da corrida, isso significa uma maior colaboração entre corredores, técnicos, fisioterapeutas e médicos do esporte, com foco em programas personalizados, educação proativa e um entendimento profundo das necessidades e comportamentos de cada atleta, garantindo uma prática mais segura e duradoura para todos.
Referência Bibliográfica:
Linton, L., Culpan, J., & Lane, J. (2025). Running-Centred Injury Prevention Support: A Scoping Review on Current Injury Risk Reduction Practices for Runners. Translational Sports Medicine, 2025, Article ID 3007544, 31 pages.
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