A FORMA DE CORRER PODE ESTAR ATRELADA À INCONTINENCIA URINÁRIA?
Estudo da UFMG relaciona a incontinência urinária à forma como a mulher abosorve o impacto na corrida!!
A incontinência urinária de esforço (IUE), definida como a perda involuntária de urina durante atividades que aumentam a pressão intra-abdominal, como a corrida, é uma realidade para muitas mulheres atletas. Longe de ser um mero inconveniente, a IUE pode impactar profundamente a qualidade de vida, a adesão ao esporte. O estudo de Campos e sua equipe (2025) revela que a IUE pode estar intrinsecamente ligada a alterações significativas na biomecânica da corrida. Publicado no Journal of Biomechanics, este estudo oferece uma nova perspectiva sobre como o corpo de corredoras com IUE se comporta ao impacto da corrida, e as profundas implicações que essa forma de correr pode ter para a esta condição de IU.
Para desvendar essa complexa relação, os pesquisadores conduziram um estudo comparativo entre dois grupos: um grupo de corredoras com incontinência urinária de esforço (IUE) durante a corrida, diagnosticada por questionários padronizados e confirmada por relatos de perda urinária durante o exercício, e um grupo controle de corredoras sem qualquer histórico de IUE. Os critérios de inclusão foram estritos para garantir a homogeneidade da amostra, focando em corredoras com volume de treino e experiência semelhantes, e excluindo aquelas com outras condições musculoesqueléticas significativas que pudessem mascarar os resultados.
As participantes foram submetidas a uma avaliação biomecânica detalhada enquanto corriam em uma esteira. Para capturar a complexidade do movimento, foram utilizados sistemas de câmeras de captura de movimento 3D de alta velocidade, que registravam a posição de marcadores reflexivos colocados em pontos anatômicos específicos do corpo, e plataformas de força integradas à esteira, que mediam as forças de reação do solo (GRF) geradas a cada contato do pé. As participantes correram na esteira a uma velocidade padronizada, permitindo a coleta de dados representativos de sua mecânica de corrida habitual.
As métricas biomecânicas analisadas foram escolhidas por sua relevância na absorção de impacto e atenuação de choque. A taxa de carregamento da força de reação vertical do solo (vGRF loading rate) foi calculada para quantificar a rapidez com que a força vertical atinge seu pico após o contato inicial do pé com o solo. Uma taxa de carregamento mais alta indica uma absorção de impacto mais abrupta e menos eficiente. O índice de atenuação de choque foi determinado pela relação entre a aceleração vertical da tíbia e a aceleração vertical da cabeça, fornecendo uma medida da capacidade do corpo de dissipar as vibrações e forças de impacto à medida que se propagam do solo para o tronco e a cabeça.
Os resultados do estudo foram notavelmente consistentes e estatisticamente significativos. As corredoras com incontinência urinária de esforço apresentaram uma taxa de carregamento da força de reação vertical do solo similares ao grupo controle. Mas estas apresentaram uma menor capacidade de absorção de impacto no pé e tornozelo, levando a uma menor atenuação de choque, o que significa que seus corpos eram menos eficazes em dissipar as forças de impacto geradas durante a corrida, permitindo que mais vibrações chegassem às estruturas superiores do corpo.

Os autores sugerem que corredoras com IUE (Incontinência Urinária de Esforço) apresentaram menor atenuação de choque entre a tíbia e o fêmur e maior absorção de energia no quadril, sugerindo que a absorção insuficiente de energia no tornozelo pode levar a uma maior transferência de carga proximal. A absorção no tornozelo foi reduzida no início da fase de apoio, enquanto o trabalho negativo do quadril aumentou mais tarde, possivelmente refletindo demandas compensatórias nas articulações proximais. Avaliar a absorção de energia ao longo de toda a fase de apoio permite uma compreensão mais integrada de como os déficits iniciais influenciam a mecânica articular subsequente e a eficiência da corrida.
Essa "solução" compensatória, no entanto, pode ter um custo elevado para a saúde musculoesquelética. Se o corpo não está absorvendo e dissipando o impacto de forma otimizada, as forças de impacto precisam ser transferidas para outras estruturas. Isso pode levar a um aumento do estresse e da carga em articulações e tecidos adjacentes, como os joelhos, quadris, coluna lombar e até mesmo a própria tíbia. Consequentemente, as corredoras com IUE podem estar em maior risco de desenvolver uma série de lesões musculoesqueléticas comuns na corrida, incluindo a síndrome da dor patelofemoral, a síndrome do trato iliotibial, dores na canela (periostite tibial) e, em casos mais graves, fraturas por estresse. Lembrando que este é um estudo observacional, não sendo possivel fazer uma relação causal entre a incontinência urinária e a menor aborção de impacto no tornozelo e pé. Este estudo apresentou esta relação muito forte, mas somente um estudo longitudinal pode verificar se a menor capacidade de atenuar impacto pelo tornozelo e pé possa ser uma causa de incontinência urinária em corredoras.
Para técnicos de corrida, fisioterapeutas e médicos do esporte, este estudo oferece um valioso sinal de alerta. A presença de incontinência urinária de esforço em uma corredora não deve ser vista apenas como um problema uroginecológico isolado, mas como um potencial indicador de alterações biomecânicas que podem predispor a outras lesões. A avaliação da biomecânica da corrida deve ser integrada à anamnese e ao exame físico, e a colaboração entre profissionais de diferentes áreas (fisioterapeutas especializados em assoalho pélvico, ortopedistas, treinadores) torna-se fundamental para uma abordagem holística e eficaz.
Em conclusão, o estudo de Campos e colaboradores ilumina uma conexão crítica entre a incontinência urinária de esforço em corredoras e alterações na forma como seus corpos absorvem e atenuam o impacto durante a corrida. Essas descobertas não apenas reforçam a importância de abordar a IUE como uma condição tratável, mas também destacam seu papel como um potencial fator de risco para lesões musculoesqueléticas. Para corredores e profissionais do esporte, a mensagem é clara: reconhecer, avaliar e intervir precocemente na IUE pode não só melhorar a qualidade de vida e o desempenho da corredora, mas também proteger sua saúde musculoesquelética a longo prazo, garantindo uma prática de corrida mais segura e sustentável.
“Não é só colocar um tênis e sair correndo… Estudar a corrida nos faz muito mais atentos a pequenos sinais que podem nos dizer muito sobre a longevidade na corrida, sem normalizar situações como a incontinência urinária”.
Referência Bibliográfica
Campos, N. C., da Fonseca, S. T., Jardim, L. N., Rodrigues, S. I. R., de Figueiredo, E. M., de Araújo, P. A., ... & Resende, R. A. (2025). Inefficient impact absorption and reduced shock attenuation in female runners with stress urinary incontinence. Journal of Biomechanics, 112753.
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